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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Revisitação a Miguel Torga – poeta da Natureza e do Homem

(ouvindo: Miles Davies "whispering" e "walkin'";

Glenys Lynos / Zeger Venderstenne; Orquestra da Rádio Sinfónica de Ljubliana, maestro Anton Nanut – " A Canção da Terra", de Gustav Malher;

a mesma obra mas interpretada por Jessie Norman / Siegfried Jerusalém, Berliner Philharmoniker, Maestro James Levine)


 


 

Tese: uma condição atávica de forte ligação à terra, a revolta visceral à religião propagada pela igreja, a encarnação de uma poesia (escrita) de carácter fortemente telúrico, a revolta da condição humana perante as contingências da vida buscando em cada acção a liberdade, a acepção de um paganismo pragmático como filosofia de vida, são os constituintes activos da estética torguena.

Ambiente: Homem em comunhão e identificado com a Natureza, verificando-se essa comunhão em todas as horas, casos e acasos, bafejada quase sempre pela desgraça e mais raramente pela graça (do natural).

Cenário: as paisagens inóspitas e desoladoras (quase sempre) de Trás-os-Montes e Alentejo; mas também potenciadoras de uma vontade férrea de rasgar fragas em busca da luz e da vida, renovando-se e regenerando-se em luta contínua no desenrolar acidentado do ciclo da vida.

Atrevimento: mostrar Torga como poeta de viagens.


 

Após o post, gentil e simpático aqui deixado por Joaquim Castanho (6 de Setembro pretérito) me ter suscitado mais algumas reflexões em torno de Miguel Torga e também me ter reaberto o apetite voraz pela releitura de alguma da sua poesia (a prosa deixemo-la para mais tarde) era inevitável, perante uma irresistível força de vontade interior, voltar a discorrer sobre o assunto.

Comecemos pelo mais peculiar e que aqui deixo em jeito de curiosidade jeitosa para os mais distraídos para com a obra de Torga e que de tão distraídos porventura percam um breve momento de seus importantes afazeres numa breve paragem aqui no fongsoi.

Não raro se diz que Portugal tem poucos, e com pouca qualidade, escritores de viagens, o que é ainda mais estranho sendo o português um natural viajante (tema para futura dissertação), no rol e com qualidade quase que só se aponta o ancestralíssimo Fernão Mendes, esquecemo-nos de Torga, homem do século XX português e talvez por isso ainda anda desarrumado pelos cânones, mas que foi um enorme escritor de viagens, cultivando o género ao longo dos seus XVI diários não só na forma narrativa mas levando ao género os travos e aromas da poesia. Atrevo-me pois a considerar Torga como um poeta de viagens, género que bastamente cultivou ao longo dos seus diários e com que belos frutos dessa colheita nos podemos deliciar…


 

Nesses cantares de andarilho alguns poemas foram escritos no nosso Alentejo (des) encantado. Concretamente no distrito de Portalegre, sem desprimor de outros locais, encontramos poemas com registo em Monforte, Sousel e este que aqui vos deixo apresentando como certidão de nascimento Alpalhão, a 1 de Novembro de 1952.


 

"Insónia alentejana


 

                Pátria pequena, deixa-me dormir,

                Um momento que seja,

                No teu leito maior, térrea planura

                Onde cabe o meu corpo e o meu tormento.

                Nesta larga brancura

                De restolhos, de cal e solidão,

                E ao lado do sereno sofrimento

                Dum sobreiro a sangrar,

                Pode, talvez, um pobre coração

                Bater e ao mesmo tempo descansar…

In, Diário VI


 

(fotos retiradas da página da EB1 de Alpalhão)


 

Recordo com nostalgia, o brilhozinho nos olhos, o sorriso sardónico por detrás do bigode grisalho mas bem cuidado, o pigarro aclarando a goela livrando-a de uns gramas de nicotina, o ilustre Dr. Barrocas, lídimo professor de português, orgulhoso de si mesmo, vaidoso, do alto do estrado magistral mostrava-nos ufano, a estes que a terra há-de comer, os seus livros com dedicatória e autografados por um tal de Adolfo Rocha para os amigos, Miguel Torga para os leitores.

Jaime Crespo


 


 


 

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