Litterae et una vita et idem.

A Literatura e a Vida são unas!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

auto-retrato em quatro versos



sou um ser frágil e mutante.
nuns dias, cobra rastejante...
noutros, leão rampante!
sou eu, triste figura insignificante...

o barco navegando pelos olhos de minha mãe


não sei bem, perdi na arca da memória...
mas andaria pelos 3, 4anos.
estava hospitalizado afetado por uma encefalite aguda.
todos os dias e todas as noites só. completamente só.
só as enfermeiras e, de quando em vez, o médico que prometia sempre que no dia seguinte me deixaria regressar a casa.
por vezes, à noite enquanto fingia dormir e enganava assim o cansaço, ouvia chegar as enfermeiras, alegres e felizes, voltando ao hospital de uma noite bem passada, talvez com os namorados. quem sabe lá?
uma tarde, porém, senti um pressentimento e rapidamente me voltei na direção da janela. lá estava, brilhante, mas sem tempo de disfarçar o choro em sorriso, o rosto de minha mãe.
levantei-me a gritar: "-leva-me daqui!".
mas ao chegar à janela já não a vi. apenas um ligeiro aceno de adeus e os lábios desenhando um beijo no frio vidro pelo qual passei a mão incansável, até que uma enfermeira, talvez alertada pela gritaria me pegou, com mais carinho que força, e levou de novo para a cama.
naquele dia, morri.
afogado no mar maré cheia que ondulava  nos olhos de minha mãe.

ansiedade




como enfrentar esta ansiedade?

este nó, aflito, intestinal?
esta depressão habitual?
Filhas da solidão, de viver por caridade..

.

quanto mais fixo a paisagem
maior cresce a ânsiedade
de viver uma viagem
longe da cidade



mas no campo
a solidão
espalha-se pelo espaço 
amplo




e chega a vontade
de me pendurar
na árvore herma
de uma herdade
pescoço preso
a forte cordão
em maciço ramo.
e encontrar a verdade.

saudosismo português



se esperássemos a esperança
vinda deste maravilhoso sol afagador
e deste céu de imenso azul aconchegante,
acreditava...


mas, acreditar que ela vem
numa manhã de cerrado nevoeiro
nas quais o carregado azul do mar
despeja na pesada areia da praia:
despojos, náufragos, correntes, grilhetas, algemas...
não creio.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

não é só neste país que se diz só neste país

não é só neste país, é em todos!
há uma semana referi-me aqui aos resultados das eleições na região autónoma dos Açores, como diz e canta Sérgio Godinho, "só neste país é que se diz só neste país".
hoje realizaram-se eleições nas regiões autónomas de Espanha >Galiza e País Basco. dos resultados, não bate a bota com a perdigota, quero dizer que os resultados se mantém em linha com a continuidade, ganharam os mesmos, o que contradiz os enormes protestos nas ruas.
Ora, parece que para as pessoas protestar é uma coisa e votar naqueles contra os quais protestam é outra.
Com eleições não vamos lá.


adeus, manuel

Extrema-unção

Uma breve, amável mágoa à
flor dos olhos, um distante desapontamento,
morrias como se pedisses desculpa
por nos fazeres perder tempo.

Tinhas pressa mas não o mostravas,
receavas que não estivéssemos preparados,
e, suspenso sobre nós, esperavas
que disséssemos tudo, que fizéssemos o apropriado.

Morrer não é motivo de orgulho,
mas estavas cansado de mais para te justificares,
Ainda por cima no mês de Julho,
com as férias marcadas, ausentes os familiares.

Tínhamos levado as crianças de casa,
feito os telefonemas, escolhidos os dizeres.
O quarto fora arrumado, a cama mudada
com roupa lavada. Só faltava morreres.
8/1/01

Manuel António Pina