Litterae et una vita et idem.

A Literatura e a Vida são unas!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

o barco navegando pelos olhos de minha mãe


não sei bem, perdi na arca da memória...
mas andaria pelos 3, 4anos.
estava hospitalizado afetado por uma encefalite aguda.
todos os dias e todas as noites só. completamente só.
só as enfermeiras e, de quando em vez, o médico que prometia sempre que no dia seguinte me deixaria regressar a casa.
por vezes, à noite enquanto fingia dormir e enganava assim o cansaço, ouvia chegar as enfermeiras, alegres e felizes, voltando ao hospital de uma noite bem passada, talvez com os namorados. quem sabe lá?
uma tarde, porém, senti um pressentimento e rapidamente me voltei na direção da janela. lá estava, brilhante, mas sem tempo de disfarçar o choro em sorriso, o rosto de minha mãe.
levantei-me a gritar: "-leva-me daqui!".
mas ao chegar à janela já não a vi. apenas um ligeiro aceno de adeus e os lábios desenhando um beijo no frio vidro pelo qual passei a mão incansável, até que uma enfermeira, talvez alertada pela gritaria me pegou, com mais carinho que força, e levou de novo para a cama.
naquele dia, morri.
afogado no mar maré cheia que ondulava  nos olhos de minha mãe.

Sem comentários:

Enviar um comentário