- O livro do amor e da paixão – tal como outros autores, também Peixoto cria e dá vida ao seu par amoroso, os inesquecíveis Ilídio e Adelaide, tal como os verdadeiros pares amorosos, este, igualmente é um amor infeliz. Ilídio filho sem pai e abandonado pela mãe, vem a ser pai sem filho e esposo sem esposa. Adelaide de uma tão grande família como a pobreza que de tão grande não tem lugar para ela, acaba por viver em família tão só como na sua origem. O resto faz o destino e as peripécias da vida, vida inexorável que não permite aos amantes mais que um breve momento de encontro. Par amoroso que confirma a regra "todos os amores felizes são felizes da mesma maneira, os amores infelizes são infelizes no seu modo único e original".
- O livro da epopeia da emigração portuguesa – uns em busca de melhores condições de vida, outros para fugir da guerra colonial, alguns correndo atrás da ilusão do amor. Madrasta terra esta que não dá aos seus filhos nem pão, nem paz, nem amor…
- O livro do Alentejo "pró fundo" – a vida dificultosa na pequena vilória do Alentejo, julgando pelos traços de escrita de José Luis Peixoto, as casas caiadas, a luz natural, os sobreiros… não andará muito longe para onde hoje é empurrada a vida da mesma vila. Alentejo interior de onde quem manda teima em esquecer e votar ao abandono. Mesmo a retirar o que já havia sido conquistado. É o Alentejo antigo que se mistura com o Alentejo atual em o livro.
- O livro da amizade e solidariedade – os laços que ligam a bondade do pedreiro Josué, "pai" necessário de Ilídio, a este e ambos ao infeliz Galopim e até mesmo ao gabarolas Cosme, vão para lá de uma simples amizade, entram no campo da solidariedade, daqueles que dão a vida pela do amigo.
- Livro do abandono e da tristeza – há qualquer coisa nas personagens de livro que as faz tristes e dessa tristeza nasce um sentimento de abandono, mais que de solidão, são personagens ensimesmadas, trilhando a sua vida de uma forma de tal modo desamparado que as faz para ali estarem, abandonadas.
Litterae et una vita et idem.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
José Luis Peixoto, livro, uma odisseia moderna
Rui Cardoso Martins – a odisseia da expiação - Prémio romance e novela da Sociedade Portuguesa de Escritores
Rui Cardoso Martins, e se eu gostasse muito de morrer, a minha leitura(ouvindo lightnin' hopkins greatest hits…)
reflexões acima do joelho motivadas pela leitura do livro "e se eu gostasse muito de morrer" de rui cardoso martins
portalegre. cidade que não passou de aldeia grande. terra de lagóias. abençoadas margens de baco.
a jornalista que acompanhou o escritor à cidade chamou-lhe "twin peaks". desta nunca me lembrei eu.
mas há anos, quando ainda por lá escorregava na calçada inclinada da rua do comércio, achei-a parecida à cidadezinha que servia de fundo a um policial francês e que tinha o sugestivo título de "balada da cidade triste", de pierre simiac (les femmes blafardes, no original).
curiosamente foi no cinema que encontrei a denominação perfeita para a minha aldeia natal, tolosa, no distrito de portalegre, nada mais nada menos que "dogville".
pois claro, já estão mesmo a ver os ambientes, twin peaks, cidade triste, dogville… é uma 5ª dimensão escondida ali num cantinho de portugal.
(a música passou para os ladysmith blackmambazo)
apesar de termos pisado as mesmas pedras da calçada e provavelmente petiscado nas mesmas mesas das sedutoras tascas marchão, david, escondidinho ou marmelo; bebido uns canecos no joia, painel; cafézadas no alentejano, facha, central ou tarro (eu ainda as sorvi no finado plátano, hoje banco ou seguradora ou as duas coisas).
mesmo encontrando velhos conhecidos, tininho, matcha, pelo livro afora, nunca me cruzei com o autor. o pai sim, foi meu professor.
habituei-me a ler e a gostar de ler rui martins nas crónicas "levante-se o réu", primeiro através da internet, quando estava emigrado, depois sentindo bem o cheiro da tinta e o deslizar das páginas, sedosas, sedentas, entre os dedos.
vai ser com tristeza que hoje ao tomar da bica matinal não a acompanharei com o levante-se o réu de um lado e a crónica do pulido valente do outro. o meu pequeno almoço ficará mais só. mas temos que mudar e ir à vida senão paramos e ficamos com vontade de morrer. muita. não é rui?
(muda o disco para carlos paredes – verdes anos)
o que poderei dizer do livro? que gostei, transmite na perfeição as vivências e ambientes da portalegre que conheci e me habituei a gostar (afinal é a minha primeira cidade). vidas e ambientes a adivinhar o drama e ele acaba sempre por chegar, por vezes da maneira mais cruel, inesperada e dolorosa.
por isso no alentejo gostamos muito de morrer.
felizmente muito menos de matar ainda que às vezes…
o livro é uma diversão pegada de leitura. dá prazer ler um livro assim, bem construído e bem escrito. vai de carrinho até ao episódio do bispo, aí embatuca um poucochinho, trava, haverá algumas contas mal ajustadas entre o autor e a igreja ou algum seu representante terreno? não é da minha conta apenas noto alguma quebra na fluidez da história.
ou seria eu que já estava cansado por ler de seguida sem parar pela tarde, noite, madrugada até manhã… entre as gotas grossas de chuva lá fora.
o livro fala da morte mas é afinal uma autópsia, escrupulosa, muito bem feita, como aquelas que vemos nos filmes tipo csi em que não escapa nada, ao modo de ser portalegrense.
recomendo vivamente a leitura do livro. eu vou reler para ver se na pressa e extasiamento da primeira leitura não deixei escapar mesmo nada.
Jaime crespo
Orhan Pamuk, vermelho, uma leitura
Finalmente, devido a contingências várias, completei a leitura desta obra, quase três anos após ter iniciado a leitura.
Um dos fatores que terá atrasado esta leitura e não displicente foi o fato de ter mais tempo para saborear a intriga, o romance, a trama, as frases, palavra a palavra do manancial escrito.
De fato, para mim, foi uma das melhores obras que me foi dado ler nos últimos tempos.
E sobre ela o que poderei dizer mais que é uma delícia?
Pouco ou nada, tudo o que acrescentar venha só lhe retirará valor…
Poderei dizer que estamos perante uma obra que representará para a Turquia e o Oriente o que representou para o cânone literário ocidental "o nome da rosa" de Umberto Eco. E as afinidades são algumas. Apenas afinidades. Também esta obra coloca em confronto duas visões do mundo: a (pretensa) visão de Deus e o modo de ver profano, humano.
Quando todo o Ocidente europeu vivera o choque renascentista, se humanizou e se prepara já para enfrentar as Luzes, temos uma Istambul, capital do império Otomano, que se prepara para as celebrações do milénio (em anos lunares) da Hégira e cujos pintores se encontram perante o desafio a aceder a uma nova pintura, humana, como se pratica no Ocidente e lhes chegam notícias sobretudo através dos contactos com Veneza, e o apelo da tradição que manda pintar do mesmo modo, a visão de Deus, as coisas mundanas.
É um conflito duro, de levar à morte e perante o qual ninguém pode ter certezas sobre nada.
E é quanto a mim a principal dádiva que este romance fresco nos oferece: a dúvida.
Dúvida de como devemos dirigir a nossa vida, dúvida nas escolhas culturais a fazer, dúvida até perante o objeto do amor e que se ama.
Alegremo-nos, os tempos dos bons romances estão de regresso.
Marco Laureano, a chave, a minha visão
Dissertação, breve, sobre cinema, tendo à mão "A Chave"
Há três géneros cinematográficos que não gosto!
A saber:
- Gangster's e mafiosos. Não gosto destes filmes porque me perco ao fim de meia dúzia de minutos. São tantos tiros, tantas mortes que a cenas tantas já não sei quem é pelo Al Capone ou quem dispara em favor de Meyer Lansky. Muito menos pela polícia, porque estes são por todos.
Mais uma coisa que me aborrece, é que nesses tempos gloriosos dos filmes série B, os gangster's não passavam de testas de ferro a dar cobertura aos negócios de polícias, procuradores, juízes, políticos, gentes das finanças.
Hoje é precisamente o contrário.
- Os western's tipo John Wayne de lencinho ao pescoço, armado em mariconço, atirando a torto e a direito contra os peles vermelhas, umas gentes cabeludas, com penas de peru ou pavão nas cabeças, parecidos com grupos de junkies dirigindo-se a wodstock mas sendo massacrados pelo tea party direitista republicano intolerante.
Aqui, o final é de previsibilidade absoluta, os tipos amaricados de lencinho ao pescoço ganham sempre por uma abada e os pobres peles vermelhas nem no cinema tem a sua hipótese de vitória.
- Finalmente, o terceiro género de filme que suporto a custo, é o terror. É sangueira (tomatada) a mais. Violência indiscriminada e sempre praticada por pobres patetas atrasados mentais, pretos, estrangeiros em geral, deficientes, resumindo, por alguém portador de algo que o torna diferente do comum e do que é aceite.
Também aqui o mistério é facilmente resolúvel, o culpado é sempre a ovelha negra que se destaca de dentro do branco rebanho.
Depois há filmes que nem sim nem não, nem sei porquê.
Também não descortinando os porquês, há filmes dos quais gosto. Gosto alguma coisa, gosto um pouco mais ou menos ou gosto bastante.
Mas não sei porquê. Pode ser por tudo ou por nada. Ou o nada que é tudo, do Pessoa, ou do Campos, ou do Caeiro. Que chato era este vários gajos.
Nesta categoria dos remediados que eu gosto, encontro a curta do Marco Laureano "A Chave".
Depois de ver o filme, vi o óbvio: todos quando nascemos trazemos dentro de nós uma chave, a chave que nos permite ou não, abrir as portas da existência. E é esse motivo que nos mantém vivos, pois caso contrário, à primeira oportunidade matávamo-nos Isto é, se o sentido da vida fosse apenas a marcha para a morte. Andaríamos todos, o mais depressa possível, a caminho do mar para descobrirmos que não temos guelras nem barbatanas como os peixes, ou em alternativa, atirámo-nos das janelas, dos nossos apartamentos altos de citadinos apenas para descobrirmos que não somos dotados de asas como as aves.
A melhor maneira de admirar "A Chave" é pegar numa lata de coca-cola, daquela a sério cheia de calorias e açúcar como o caralho, um cachorro daqueles com salsichas enormes e grossas, a vazar mostarda e na outra mão um cartucho de pipocas. Pode-se equilibrar a lata num dos joelhos, and let's go to the trailer.
"A Chave", ouve-se o grito convicto do realizador "ação!", bem, a convicção é mais uma questão de fé. Mas também, como se sabe, tudo isto, nós, o governo da nação e até, imagine-se o filme, tudo, está dependente da termodinâmica dos fluidos.
Uma vassoura, o quanto baste à mão, aconselha-se vivamente, não iremos virar Mestre com a sua Marguerita. O que já não desejo nem aos piores inimigos é que se apaixonem pela Lolita, nos dias que correm sujeitavam-se a julgamento por pedofilia.
Não queria falar de sexo, mas já que a conversa / escrita, me trouxe para aqui, não poderia deixar de usar esta chave e abrir a porta.
Nunca conheci nenhum realizador, pessoalmente falando, e tenho esta chave por desvendar, isto que por aí se ouve de que os realizadores papam as atrizes, pelo menos as melhores é verdade? A sê-lo, eh pá. Isso é que é cá uma ganda chave. Eu, por mim, contentava-me com as figuras secundárias, mesmo algo feias, grandes e gordas.
A cada qual a sua psicose, ou com a unha coça a micose.
Já nos créditos, somos brindados com uma fantástica chave musical para fechar com chave d'ouro.
Mas entre o grito de ação e a espetacular música final, há uma chave para achar, para desvendar, ou para utilizar.
Essa é a tal chave que cada ser humano traz em si e tem que descobrir. Não só a chave mas como e onde utilizá-la: no amor, na vida ou na morte, no ramerrame dos dias comuns, numa inesperada e insólita onda de genialidade criativa.
Que o cinema dê a cada um a sua chave.
Jaime Crespo
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Revisitação a Miguel Torga – poeta da Natureza e do Homem
(ouvindo: Miles Davies "whispering" e "walkin'";
Glenys Lynos / Zeger Venderstenne; Orquestra da Rádio Sinfónica de Ljubliana, maestro Anton Nanut – " A Canção da Terra", de Gustav Malher;
a mesma obra mas interpretada por Jessie Norman / Siegfried Jerusalém, Berliner Philharmoniker, Maestro James Levine)
Tese: uma condição atávica de forte ligação à terra, a revolta visceral à religião propagada pela igreja, a encarnação de uma poesia (escrita) de carácter fortemente telúrico, a revolta da condição humana perante as contingências da vida buscando em cada acção a liberdade, a acepção de um paganismo pragmático como filosofia de vida, são os constituintes activos da estética torguena.
Ambiente: Homem em comunhão e identificado com a Natureza, verificando-se essa comunhão em todas as horas, casos e acasos, bafejada quase sempre pela desgraça e mais raramente pela graça (do natural).
Cenário: as paisagens inóspitas e desoladoras (quase sempre) de Trás-os-Montes e Alentejo; mas também potenciadoras de uma vontade férrea de rasgar fragas em busca da luz e da vida, renovando-se e regenerando-se em luta contínua no desenrolar acidentado do ciclo da vida.
Atrevimento: mostrar Torga como poeta de viagens.
Após o post, gentil e simpático aqui deixado por Joaquim Castanho (6 de Setembro pretérito) me ter suscitado mais algumas reflexões em torno de Miguel Torga e também me ter reaberto o apetite voraz pela releitura de alguma da sua poesia (a prosa deixemo-la para mais tarde) era inevitável, perante uma irresistível força de vontade interior, voltar a discorrer sobre o assunto.
Comecemos pelo mais peculiar e que aqui deixo em jeito de curiosidade jeitosa para os mais distraídos para com a obra de Torga e que de tão distraídos porventura percam um breve momento de seus importantes afazeres numa breve paragem aqui no fongsoi.
Não raro se diz que Portugal tem poucos, e com pouca qualidade, escritores de viagens, o que é ainda mais estranho sendo o português um natural viajante (tema para futura dissertação), no rol e com qualidade quase que só se aponta o ancestralíssimo Fernão Mendes, esquecemo-nos de Torga, homem do século XX português e talvez por isso ainda anda desarrumado pelos cânones, mas que foi um enorme escritor de viagens, cultivando o género ao longo dos seus XVI diários não só na forma narrativa mas levando ao género os travos e aromas da poesia. Atrevo-me pois a considerar Torga como um poeta de viagens, género que bastamente cultivou ao longo dos seus diários e com que belos frutos dessa colheita nos podemos deliciar…
Nesses cantares de andarilho alguns poemas foram escritos no nosso Alentejo (des) encantado. Concretamente no distrito de Portalegre, sem desprimor de outros locais, encontramos poemas com registo em Monforte, Sousel e este que aqui vos deixo apresentando como certidão de nascimento Alpalhão, a 1 de Novembro de 1952.
"Insónia alentejana
Pátria pequena, deixa-me dormir,
Um momento que seja,
No teu leito maior, térrea planura
Onde cabe o meu corpo e o meu tormento.
Nesta larga brancura
De restolhos, de cal e solidão,
E ao lado do sereno sofrimento
Dum sobreiro a sangrar,
Pode, talvez, um pobre coração
Bater e ao mesmo tempo descansar…
In, Diário VI
(fotos retiradas da página da EB1 de Alpalhão)
Recordo com nostalgia, o brilhozinho nos olhos, o sorriso sardónico por detrás do bigode grisalho mas bem cuidado, o pigarro aclarando a goela livrando-a de uns gramas de nicotina, o ilustre Dr. Barrocas, lídimo professor de português, orgulhoso de si mesmo, vaidoso, do alto do estrado magistral mostrava-nos ufano, a estes que a terra há-de comer, os seus livros com dedicatória e autografados por um tal de Adolfo Rocha para os amigos, Miguel Torga para os leitores.
Jaime Crespo